Como é de conhecimento geral, no último dia 13 de maio foi publicada a Lei nº 14.151/2021, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo da respectiva remuneração, durante a emergência de saúde pública de importância nacional, decorrente do novo coronavírus.
Outrossim, o texto legal determina que a empregada afastada fique à disposição do seu empregador para exercer as suas atividades desde o seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
Contudo, o legislador não se ocupou das hipóteses em que a atividade laboral da gestante não possa ser desenvolvida fora do ambiente empresarial, pelos meios antes referidos, vale dizer, o Poder Legislativo não disciplinou as situações em que o conteúdo ocupacional da atividade até então exercida pela trabalhadora gestante não for compatível com o teletrabalho, com o trabalho remoto ou qualquer outra forma de trabalho à distância.
E essa omissão legislativa, naturalmente, redundou consequência bastante severas e gravosas aos empregadores que, obrigados a afastar as trabalhadoras gestantes das suas atividade presenciais, permanecerão com a responsabilidade de satisfazer os respectivos salários, ainda que não lhes seja possível contar com a força de trabalho dessas empregadas por meio de quaisquer das formas de trabalho à distância, quando isso não for possível, a exemplo do que ocorre com em um sem número de empreendimentos em que só é possível o trabalho presencial.
Evidentemente que a proteção da saúde dos trabalhadores é um valor que deve ser priorizado pelo Estado e por todos os atores sociais.
Sem embargo, o custo das medidas que se destinem ao cumprimento desse desiderato não pode ser, simplesmente, lançado no colo de quem empreende atividade econômica, no mínimo em respeito ao princípio da solidariedade, insculpido na Carta da República.
Com efeito, como referido en passant, a Constituição Federal define princípios e proteções das mais diversas ordens para compatibilizar as suas disposições, de modo a que restem preservados os valores que ela afirma.
Se é certo que a dignidade da pessoa humana foi uma preocupação do Constituinte, menos certo não é que a respectiva salvaguarda deve ser harmonizada com outros tantos valores enunciados pela Carta Política, em especial com a livre iniciativa.
Nesse contexto, à vista das disposições legais e constitucionais que disciplinam os deveres do Estado, não é desarrazoado afirmar que as empresas que contem com trabalhadoras gestantes nos seus quadros, e cujas atividades laborais sejam incompatíveis com quaisquer das formas de trabalho à distância, devem receber a devida proteção estatal, sob pena de se verem a braços com consequências que não lhes eram sequer previsíveis em períodos de normalidade, tampouco se harmonizam com os valores proclamados na Constituição Federal.
No meu particular ponto de vista, não me parece que haja outro caminho para dar efetividade à proteção que o empresariado deve receber que não a via judicial, como meio de que reste garantida a possibilidade real de se “afastar” as empregadas do trabalho, e não apenas segrega-las do ambiente empresarial, justamente em razão da impossibilidade da realização das suas atividades à distância.
A par disso, há que se imputar à Previdência Social o custeio dos salários dessas trabalhadoras, que igualmente merecem proteção, mediante o pagamento do salário-maternidade durante o período de tempo em que perdurar a emergência de saúde pública decorrente da pandemia, possibilitando-se aos empregadores compensar (deduzir) os valores correspondentes, quando do pagamento das contribuições previdenciárias.
Esse desfecho encontra guarida, insista-se, no princípio da solidariedade e na certeza de que a impossibilidade de trabalho presencial da empregada gestante não lhe pode acarretar dificuldades que, numa mesma medida, não devem ser endereçadas a quem gera emprego.
Por Alfeu Dipp Muratt