Que deus nos ajude, e aos magistrados também

O “Espaço Vital” veiculou no dia 06 de abril próximo passado dois artigos muito interessantes, lavrados, respectivamente, pelo Médico Francisco Karam e pelo Juiz Federal Vilian Bollmann.

No artigo intitulado Só nos resta rezar para que Deus nos ajude, o Dr. Francisco Karam traça um paralelo entre o destino do mega-especulador estadunidense Bernard Madoff e a sorte de uma pletora de individuos acusados das mais diversas fraudes contra particulares e contra o Erário e que, até agora, desfrutam de uma liberdade intangível, dentre eles: Salvatori Cacciola, Nicolau dos Santos Neto, Luis Estevão, José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Marcos Valério e dirigentes do Banco Rural.

Esse estado de coisas levou o esculápio a afirma que “Aqui no Brasil, quem sabe Madoff seria protegido no governo e no judiciário” e que “Nos Estados Unidos, eles estariam presos como Madoff e serviriam de exemplo de que se cumpre a lei. A sociedade e o governo norte-americanos possuem muitos defeitos, mas, lá, juiz é juiz e não vendilhão da Justiça”.

Já no artigo do Dr. Vilian Bollmann, cujo título é Fábrica de decisões?, a abordagem entende com o dilema entre a quantidade e a qualidade da prestação jurisdicional, dilema esse que, decerto, vem assolando a magistratura nacional.
Por coincidência, o julgador inicia o seu escrito indagando que tipo de atendimento médico o cidadão gostaria lhe fosse administrado: “uma consulta imediata de cinco minutos sem que o médico visse os seus exames e nem lhe ouvisse ou uma agendada para daqui a seis meses com um profissional que teria todo o tempo para o diagnóstico correto?”

Para ilustrar a hercúlea tarefa depositada sobre os ombros do Judiciário brasileiro, o Dr. Vilian apresenta números assombrosos – aportaram perante os juízes brasileiros, em 2007, 16 milhões de novas ações – e traça um parâmetro entre a quantidade de casos apreciados pela Suprema Corte dos EUA e os casos desatados pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil.

Lá, em um ano, a Suprema Corte julgou 100 (cem) casos; aqui, no mesmo período, o STF julgou 100.000 (cem mil).

Da leitura daqueles artigos, tem-se que as discrepâncias são escandalosas, seja no que diz com o desfecho dos casos, seja no que diz com os seus respectivos volumes.

No meu ponto de vista, a sorte dos “malfeitores” arrolados no artigo do Dr. Karam e o volume de processos que assolam o judiciário brasileiro, cujos números vêm lançados no artigo do Dr. Bollman têm, pelo menos, um ponto em comum: o arcabouço principiológico vertido na Constituição Federal brasileira de 1988, e que estofa o estado democrático de direito pelo qual todo o homem de bem deve ansiar e para cuja concretização deve lutar, com unhas e dentes.

Princípios como o da Inafastabilidade da Jurisdição, Gratuidade da Justiça, Juiz natural, Presunção da Inocência, Devido Processo Legal – todos eles com assento constitucional – garantem, dentre outras coisas, o livre acesso do cidadão à Justiça e a impossibilidade de que alguém escolha o Juiz que julgará o seu caso, bem assim impedem que o indivíduo seja privado da sua liberdade e de seus bens sem que contra ele tenha sido proferida uma decisão insuscetível de modificação e isso depois de garantido o contraditório e ampla defesa .

O Judiciário – agora tão criticado –, na sua indispensável missão de dizer o direito tem o dever de compatibilizar esses princípios com o direito positivado e lhes dar concretude, mormente porque, ao que me parece, as pessoas – naturais ou jurídicas, públicas ou privadas – estão perdendo a capacidade de diálogo e fazem questão de tudo entregar ao Juiz, desde as brigas de vizinho até as demarcações contínuas das terras indígenas.
Se tais princípios podem gerar as distorções que todos nós conhecemos, a meu juízo, é preferível com elas conviver a aceitar um Estado em que o cidadão esteja despido das garantias que habitam naqueles princípios.

Não é demais repetir e sublinhar: tão mais odiosa será a condenação de um inocente do que a impunidade de um criminoso, pois o Estado que pune o inocente comete crime muito mais hediondo do que o mais abjeto dos delitos que, eventualmente, possa ser cometido pelo mais vil criminoso que não venha a ser punido.

Se as coisas são diferentes na América, talvez a razão seja cultural!
Quem sabe, lá, as pessoas tenham aprendido a cultivar valores mínimos e, em vista disso, saibam diferenciar, com nitidez, o público do privado e vice-versa?
Quem sabe, lá, o acesso ao Judiciário seja dispendioso, e os cidadãos pensem duas vezes antes de “entregar” ao Juiz as suas picuinhas de menor importância?
Numa certa medida, é chegada a hora de refletirmos sobre esse quadro, pois se essa reflexão não vier, QUE DEUS NOS AJUDE, E AOS MAGISTRADOS TAMBEM.

 

Alfeu Dipp Muratt
Sócio da Faraco, Azevedo e Muratt Advocacia Empresarial
muratt@faracoempresarial.com.br