A Justiça do Trabalho tem validado demissões feitas por meio de aplicativos de conversa, como o WhatsApp. As decisões ainda negam indenização por danos morais aos trabalhadores. Para os julgadores, o uso da ferramenta, por si só, não causa constrangimento ou humilhação e pode ser adotada pelos empregadores, especialmente em meio à pandemia da covid-19.
A discussão, segundo advogados, ganhou importância com as medidas de isolamento e a consolidação dos aplicativos de conversa como ferramenta de trabalho. O próprio Judiciário, acrescentam, já vinha utilizando, antes da pandemia, o WhatsApp para atos oficiais – como a intimação das partes, advogados e testemunhas para o comparecimento às audiências.
Levantamento da plataforma de jurimetria Data Lawyer Insights mostra que de 2017 ao dia 1º deste mês foram ajuizados cerca de 144 mil processos com as palavras demissão, WhatsApp ou aplicativo e danos morais. Deste total, 103 mil a partir de março de 2020, com a pandemia. Nem todos, porém, discutem a utilização da ferramenta para a dispensa de trabalhador.
“Em um cenário em que é possível ao trabalhador desenvolver suas atividades em qualquer localidade do mundo, por que se exigiria que a comunicação e os demais procedimentos da dispensa ocorressem de forma presencial?”, questiona o advogado Matheus Cantarella Vieira, do escritório Souza, Mello e Torres.
Ele explica que, ao analisar um caso, a Justiça do Trabalho leva em consideração o modo como o empregador comunicou a demissão. “Deve ser pautada por regras de respeito, urbanidade e consideração entre as partes, especialmente por ser uma ocorrência já naturalmente desgastante.”
Em Minas Gerais, o juiz Márcio Toledo Gonçalves, da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, negou recentemente o pedido de indenização por danos morais a uma professora. Ela alegou ter sido dispensada por WhatsApp e não ter recebido as verbas rescisórias (processo nº 0010024-04.2021.5.03.0112).
Ao analisar o pedido, o juiz entendeu que “não é ofensiva a comunicação da dispensa através de mensagem de WhatsApp, dado ao contexto em que se encontra a ré [a escola], diante do cenário de pandemia da covid-19”.
Sobre o atraso no pagamento das verbas rescisórias, afirma que, “em que pese tratar-se de uma atitude merecedora de desaprovação pelo Poder Judiciário e pela sociedade, por si só, não gera direito a indenização”.
O TRT de São Paulo (2ª Região) também confirmou recentemente a dispensa de uma coordenadora pedagógica por meio do WhatsApp. Ela alegou que as conversas com sua supervisora tratavam de “suspensão” do contrato de trabalho e que o aviso-prévio não poderia ser substituído por simples mensagem, o que invalidaria a rescisão (processo nº 1001180-76.2020.5.02.0608).
No julgamento, porém, os desembargadores da 18ª Turma consideraram que foram apresentadas provas legais – como a baixa da carteira de trabalho – e da comunicação do encerramento do contrato de trabalho. “As conversas de WhatsApp colacionadas pela reclamante [a escola] são plenamente válidas como meio de prova, mas não favorecem a tese autora”, diz a relatora do caso, desembargadora Rilma Aparecida Hemetério.
Ela lembra, no voto, que o WhatsApp “se tornou um grande aliado”, especialmente em 2020, com a pandemia. E acrescenta: “Não é demais recordar que o contrato de trabalho prescinde de formalidades excessivas e pode ser firmado até mesmo de maneira verbal, inteligência do artigo 3º da CLT”.
No TRT do Rio de Janeiro, a 2ª Turma validou a demissão feita por uma empresa de sistemas de segurança e negou indenização ao trabalhador. Para os desembargadores, “a dispensa em questão, por meio do WhatsApp, não deve gerar dano moral, pois o fato não foi exposto a terceiros, uma vez que não se tratou de uma conversa mantida em grupo criado no aplicativo, mas sim de forma privada, sem qualquer indicativo de mau trato que pudesse causar constrangimento ou humilhação ao autor” (processo nº 0102189-19.2017.5.01.0451).
A advogada Juliana Bracks, sócia do Bracks Advogados, afirma que tem feito pareceres sobre o assunto. “Tudo é o tom, como a coisa se dá”, diz. Para ela, o curioso é que trabalhadores, principalmente empregados domésticos, comunicam-se hoje em dia com os patrões sempre pelo WhatsApp, até para pedir demissão. “E nenhum juiz vai condenar o trabalhador em dano moral porque pediu demissão por mensagem.”
Foi justamente o tom da conversa travada entre um empregador e uma empregada doméstica que levou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a manter a decisão do TRT em Campinas (15ª Região) favorável ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de três salários. “O que se avalia é o modo como o reclamado comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora”, diz a relatora do caso na 6ª Turma, ministra Kátia Magalhães Arruda.
Para ela, a mensagem reproduzida no processo “fala por si”. “Bom dia. Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos.” O ideal, explica, seria analisar o contexto, e não apenas o texto. Não há, porém, acrescenta, nem no acórdão nem no recurso informações a respeito (AIRR-10405-64.2017.5.15.0032).
Daniela Yuassa, sócia do Stocche Forbes Advogados, entende não ser recomendável a demissão por WhatsApp. Mas se for necessário o uso da ferramenta, afirma, o empregador deve ter cuidado e, de preferência, adotar o recurso de imagem. “É um meio de comunicação válido. Mas é preciso tomar cuidado com o texto a ser enviado. “É um meio de comunicação válido. Mas é preciso tomar cuidado com o texto a ser enviado. É preciso criar uma situação de respeito.”
A advogada Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht Advogados, também concorda. “Quer na dispensa presencial, quer na dispensa por aplicativos de áudio ou vídeo, o importante é que seja feito com respeito e cordialidade”, que também recomenda aos clientes que a dispensa seja feita por chamada de vídeo gravada, conduzida por pessoa capacitada na área de recursos humanos.
Fonte: Valor Econômico